
Mais Médicos | MPF entra na Justiça por falta de clareza no contrato de cubanos
O MPF-DF (Ministério Público Federal do Distrito Federal) entrou nesta terça-feira (20) com uma ação civil pública na Justiça contra o termo de cooperação técnica que trouxe médicos cubanos para o Brasil para atuar no Mais Médicos, programa criado em 2013 na gestão da então presidente Dilma Rousseff. Com a ação, o MPF pede que a Justiça obrigue, em caráter de urgência, o governo federal a prestar contas detalhadas dos valores repassados à Opas (Organização Pan-americana de Saúde) durante os cinco anos de vigência do programa.
A procuradoria pede que a Justiça estabeleça um prazo de 30 dias para que o Ministério da Saúde levante os dados e os publique no site da pasta, "para fins de transparência". Além disso, pede que a Justiça impeça o governo federal de firmar novos convênios do tipo, inclusive com a Opas, enquanto não for atendida a determinação do TCU (Tribunal de Contas da União) de que o governo brasileiro envie os relatórios de auditorias realizadas nos recursos transferidos à Opas e as prestações de contas parciais. O TCU apontou irregularidades na prestação de contas em acórdão publicado no ano passado informando que "nenhum acordo internacional pode se sobrepor ao princípio constitucional da prestação de contas estatuído no art. 70, parágrafo único, da Constituição Federal".
O Ministério Público afirma que o acordo firmado entre o Ministério da Saúde e Opas que permitiu a vinda dos médicos cubanos para atuar nos Mais Médicos "possui vícios de legalidade, finalidade e motivação, é amplamente vago".
O fato dificultaria a fiscalização do cumprimento do termo e, segundo o MPF, expõe o Estado a prejuízos financeiros. O MPF informa que a aplicação dos R$ 4 bilhões investidos pelo governo brasileiro com o acordo não é clara, já que a execução do convênio não estabelece "metas, estratégias ou resultados a serem alcançados". Além disso, a procuradoria afirma que as prestações de contas apresentadas pelo órgão internacional não esclarecem como esses recursos foram investidos.
A procuradora da República responsável pela ação, Luciana Loureiro, disse por meio de nota que o termo "coloca em xeque princípios constitucionais basilares, tais como publicidade, legalidade, moralidade e motivação dos atos administrativos".
É dever do Ministério Público Federal pleitear a modificação do Programa Mais Médicos no que tange aos controles de economicidade, efetividade e transparência dos repasses feitos à Opas (...)". "Não se objetiva o fim do Programa, mas tão somente que haja efetiva transparência e fiscalização na aplicação dos recursos públicos brasileiros".
O MPF também questiona os valores recebidos pelos médicos cubanos em comparação a outros profissionais estrangeiros também atuantes no programa Mais Médicos. "Embora a OPAS receba R$10 mil por profissional integrante da iniciativa, é de conhecimento público que os valores não são inteiramente repassados aos médicos, ficando boa parte retidos com o governo cubano", diz o MPF em nota.
E completa: "a destinação específica de tais valores financiados pelo Sistema Único de Saúde brasileiro é desconhecida. É que a informação é protegida por suposta "cláusula de confidencialidade" pactuada entre a OPAS e Cuba, negando ao Ministério da Saúde qualquer ato fiscalizatório".
Saída de Cuba dos Mais Médicos
O governo de Cuba anunciou na última quarta-feira (14) o fim de sua participação no Mais Médicos. A decisão foi atribuída a declarações do presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL), que questionou a qualificação dos médicos cubanos e afirmou pretender modificar o acordo, exigindo a revalidação dos diplomas cubanos pelo Brasil e a contratação individual dos profissionais.
"Condicionamos a continuidade do programa Mais Médicos à aplicação de teste de capacidade, salário integral aos profissionais cubanos, hoje maior parte destinados à ditadura, e a liberdade para trazerem suas famílias. Infelizmente, Cuba não aceitou", afirmou Bolsonaro, por meio de sua conta no Twitter, após ser anunciada a decisão do governo cubano.
Os cubanos recebem apenas parte do valor pago aos médicos brasileiros e de outras nacionalidades.
O acordo que permite a participação dos cubanos no Mais Médicos foi firmado com a Opas e não individualmente com cada médico. Por isso, o governo brasileiro paga à Opas, que repassa os valores ao governo cubano que, por fim, destina um percentual a cada médico.
Segundo reportagem da BBC, analistas internacionais estimam que a fatia recolhida pelo governo cubano em serviços prestados por seus médicos em 67 países das Américas, da África, da Ásia e da Europa varie entre metade e três quartos dos salários.
No termo técnico assinado entre o Ministério da Saúde e a Opas, ainda segundo a BBC, não existem números oficiais sobre o percentual do salário que é de fato repassado para os médicos cubanos no Brasil. O acordo afirma que os médicos são funcionários do governo da ilha, que por sua vez presta serviços remunerados ao Brasil.
Mas, segundo a BBC, mesmo com os descontos, a fatia de salário recebida pelos profissionais no Brasil é superior aos rendimentos dos que trabalham nos arredores de Havana: a renda mensal de um médico em Cuba é estimada entre 25 e 40 dólares, o equivalente a R$ 94 e R$ 150.